A angústia de quem estimula a cura
"Diante da vida, ao olhar céu e terras, vejo um caminho de muito transitar.
Nada há que justifique o passo que não seja possível aqui, que não possa ser vivido aqui.
Todo passo é próprio. O que se carece é de coragem para o andar.
Não há mistério. É preciso coragem.
Ainda que não se veja bem a trilha, um passo só é seguro depois do outro.
Não há risco em caminhar. O risco é de estagnar.
Nada perco se faço o caminho. A dor que sinto é de perder o que já não tem mais sentido.
Não há como manter o adoecido.
Só resta a opção da cura.
A doença em si não se mantém estagnada.
É da sua essência o movimento de retorno à evolução.
A estabilidade mantém a doença como está, boicota o primum movens da vida.
A estagnação não resiste ao passo da vida, assim como não é possível estagnar e ser feliz.
O movimento é a vida. O coração é a vida.
O que se move, é!
Não quero mais parecer satisfeito, não quero mais a falsa saciedade.
Não quero mais o vazio falsamente preenchido.
Quero o que é meu de direito, aquilo que me provê e sacia.
Não quero mais o que não quero e só no vazio me mantém.
Quero me preencher de verdade, da verdade de ser o que Eu Sou!"
Euder Airon
O estudo do processo do adoecer conduz à constatação de que o adoecimento se manifesta sob múltiplas formas e que, ainda que os sinais e sintomas expressos e percebidos revelem significância similar, a infinitude das variáveis evidencia a singularidade dos processos. Para que haja compreensão destas manifestações, o indivíduo e aquele que se propõe a ajudá-lo necessitam estabelecer contato com a experiência que está sendo vivida e com os universos individuais.
É necessário entender que o homem tem se voltado para o reconhecimento e valorização do sentir, das sensações e do seqüenciamento dos sinais que, até então, lhe pareciam insignificantes ou desprovidos de sentido. É necessário respeitar o processo de evolução da humanidade, entender que o homem evolui através de uma trajetória pessoal e coletiva e aceitar que, para que se mantenham válidas, as diversas propostas terapêuticas devem acompanhar as etapas de maturação do humano.
Para que uma ação seja verdadeiramente terapêutica é necessário que o indivíduo, progressivamente, desenvolva o entendimento, a compreensão e a aceitação dos próprios processos e que o terapeuta ative sua capacidade de contactar e desenvolver o seu interno e o processo pessoal de evolução, condição essencial para a percepção e entendimento da dor do outro. Estas capacidades permitem a conquista do sentir partilhado e integrado e proporcionam fluidez à ação terapêutica.
Não adianta, ao curador, abordar e explicar a origem do adoecimento com uma linguagem ou técnica que vá além do alcance do olhar do indivíduo. Para quem busca ajuda, a origem da dor está sempre naquele momento, na doença que o levou à busca. Para muitos, nada existe além daquilo que se pôde ver e perceber.
Para que o indivíduo possa validar e aceitar a transformação ou cura, a terapêutica deve ser orientada pela dor que foi vista, que se vê ou se projeta e tratar, principalmente, o que foi materializado naquele momento.
Não há como esperar que o movimento de expansão da consciência aconteça de forma imediata. Cada indivíduo tem o seu tempo essencial de evolução e necessita deste tempo para a elaboração, assimilação e aceitação sensorial e mental, para o reconhecimento dos padrões de comportamento e reformulação comportamental, para a identificação e correção das causas prováveis daquela manifestação doentia.
O tempo é individual e a percepção do tempo é pessoal!
Para aproveitar o adoecimento, o indivíduo precisa sentir e ver, no concreto, a evolução e a transformação de cada um dos sintomas e dos passos que, até ali, distorceram sua individualidade. É necessário entender que as escolhas espelham o que se percebe e pretende para si, reconhecer o curso do adoecimento, chegar ao porquê da instalação dos sintomas e se redefinir por escolhas e posturas que resgatem a saúde. Para que se instale a saúde, é fundamental que se viva o desejo de cura ... desejo que irá nascer do reconhecimento das escolhas inadequadas.
Todo processo de evolução e cura pertence ao indivíduo!
O que se pretende é que o indivíduo reconheça, através da força do seu interno, da compreensão das etapas de sua evolução, da ampliação de consciência proporcionada por suas dificuldades, que pode atingir o patamar de consciência que torna o adoecimento desnecessário. No processo da cura, a energia doente é transmutada e evoluída. Mas o desejo, o anseio, é de que a evolução seja ainda maior e que haja expansão da energia de vida. Quando a cura se instala em todos os níveis é, em totalidade, aproveitada pelo Universo.
Pode-se, então, ter a certeza de que o indivíduo reencontrou sua trajetória evolutiva, que assumiu a sua história, sua estrada e que segue por ela, com passos próprios, ainda que lentos ou eventualmente desviados. Pode-se ter a certeza de que, no ritmo e na velocidade do seu passo, ele irá adentrar, apropriar-se e evoluir seu processo de vida, relacionando cada momento à existência presente e ao momento imediatamente anterior, que depois será relacionado ao momento ainda anterior e, gradativamente, irá atingir o cerne, a compreensão global da sua história.
A ação que intenciona a ajuda deve estimular o indivíduo à conquista e posse da chave que o integra à sua trajetória, ao entendimento pleno e à incorporação do poder de cura e harmonização que lhe é próprio, único, como é única a essencialidade de cada Um.
O papel do verdadeiro Curador é ajudar o indivíduo na reconstituição de sua história para que, ao entender cada etapa, possa ele mesmo reencontrar sua trajetória. É papel do curador agir a partir do olhar do paciente, ter a honradez de atuar a partir daquilo que o outro vê, ouve, percebe, sente e reconhece como verdadeiro, aceitando a ampliação do conhecimento que o conhecer mútuo oferece. É preciso que o curador experiencie, estimule e compartilhe com quem o busca, a alegria da responsabilidade pela vida, pelo processo de cura, pelo contato com a luz interna e com a razão de ser.
Angustia-se muito o Curador que se faz como único responsável pela cura do outro, pela vida, evolução e saúde de quem o procura. A angústia pode resultar da obrigatoriedade de se caracterizar como competente e disponível, de medicar, orientar e reconduzir ao equilíbrio as pessoas que se desviaram, limitaram ou se impediram pela própria angústia.
Quanta angústia daquele que assume o compromisso de curar quando deveria estimular autocura!
Quanta dor!
Como cuidar da dor sem assumir a própria dor? Que pretensão é essa de negligenciar o próprio sofrimento e vestir a máscara de ser capaz de sanar o sofrimento do outro? Quantos terapeutas trazem dores e males semelhantes à dor de quem busca sua ajuda e negligenciam a oportunidade de se conhecer enquanto ajudam o outro?
Quanta insegurança!
Quantos terapeutas conseguem dar ao outro a resposta, indicar a trajetória da vida e não conseguem, na sua vida, trilhar a trajetória que ditam?
Quão difícil é vestir a máscara da segurança e ir à frente de batalha, usando do poder de interferir no processo curativo, assumindo a responsabilidade pela vida do outro, sentindo-se obrigado a dominar um conhecimento que tem a pretensão de salvar vidas e reduzir a angústia...
Que angústia por errar e não conseguir obter a cura!
Quanto sofrimento contemplam! E quase nunca se lembram de que o insucesso terapêutico pode não ter sido causado pelo erro e que esta pode ser a trajetória que o outro escolheu viver. Os erros existem. Erra-se, mas não é pelo erro ou pela incapacidade do Curador que uma doença persiste. Existem situações que são do momento e da necessidade do angustiado pela dor, situações em que o processo corporal é necessário, é veículo para que o indivíduo conquiste formas de liberação e drenagem de toda energia estagnada.
A maioria dos curadores abdica do direito e da condição de humano... Alguns, porque entram no processo de total doação; outros, porque transformam o conhecimento em poder e domínio e ainda outros, porque usam do conhecimento para sublimar as próprias dificuldades. Independente de como utilizam os conhecimentos que poderiam levar os indivíduos à cura, é muito grande o peso da responsabilidade, o compromisso e a angústia vividos por esses curadores.
É preciso que entendam que são livres!
Os curadores são orientadores de prováveis trajetórias para a vida. É verdade que, quando se dispõem à ajuda, a partilhar aquilo que, para o outro, é a fragilidade maior, precisam ter domínio sobre o conhecimento, precisam estar firmes, confiantes, com capacidade suficiente para definir e agir. É também verdade que a sua atuação pode salvar vidas... mas que não se esqueçam: são veículos!
As vidas salvas, salvam-se porque é merecimento, porque a experiência é necessária à evolução do outro e à evolução do terapeuta. É pretensão acreditar que um homem salve outro homem; um homem pode ajudar um outro homem a encontrar os caminhos que lhe salvam a vida.
O mérito é da vida!
O mérito é da Alma que, através da ajuda sincera, consegue se manter em movimento, exercendo a expressão da verdade que alimenta, equilibra e cura.
Este entendimento não reduz o compromisso com a vida, não diminui no curador a sua responsabilidade, não impede que se sofra pela dor do erro. Esta percepção aumenta o compromisso com a Nova Era, com o novo momento, com uma nova Medicina. Aumenta a necessidade do estudo, do entendimento pleno, da evolução dos conhecimentos, da busca incessante de espaços internos para que, da consciência adquirida, brotem as capacidades inatas, a sensibilidade e o uso adequado dos próprios potenciais.
É preciso que o Curador abandone a prepotência da ação que se baseia apenas no que é raciocínio, na manutenção de uma postura que tanto o distancia quanto diferencia de quem o procura.
Para que se reduza a angústia deste que se propõe a ajudar, é necessário que ele aceite e respeite o direito do outro de responsabilizar-se pelo próprio crescimento, que aceite que este caminho favorece a ajuda sem sofrimento, a vivência prazerosa do contato e da troca e o alívio do peso de se considerar o único responsável pelo cuidar da vida. É necessário exercer a compaixão, estendendo ao outro o respeito dedicado aos próprios processos.
Para reduzir a angústia daquele que busca a ajuda, é necessário lembrá-lo de que culpabilizar o externo ou o acaso por sua dor, torna a compreensão mais distante e a angústia mais dolorosa. É necessário pontuar que é ele o responsável pelo seu processo, por sua dor, por sua história, trajetória e momento de vida e lembrá-lo de que o assumir do compromisso consigo, propicia o encontro com a cura, diminui o sofrimento e permite o aproveitamento da doença como experiência de crescimento.
Enquanto o indivíduo se mantém na posição de vítima e culpa o meio, o externo ou o acaso pelos sofrimentos que o acometem, mais dolorosa se torna sua angústia, mais penoso se torna o trabalho daquele que, com a pretensão de propiciar a cura, acolhe o angustiado e vive o sofrimento e a obrigação de sanar, de aliviar, de cuidar da vida.
Uma angústia menor no Curador, associada a uma angústia menor naquele que busca a cura, favorece a troca, amplia os níveis de percepção de um e de outro e facilita a descoberta e o entendimento das trajetórias. O conselho, a indicação e a aceitação da terapêutica fluirão, então, como flui a vida, como fluem os objetivos de saúde almejados pela Alma. Fluirão como fluem, pelo Universo, o conhecimento e o saber.
Sentir assim a função de ajuda potencializa, em todos, o desenvolvimento de uma responsabilidade ainda maior: a de ativar o nascimento e a fé no Amor, a crença na Verdade do Homem, a compreensão de que o aproveitamento da doença traz a cura. Esta forma de sentir estimula ainda mais o desejo do conhecimento, valoriza o curador e quem busca a cura, ameniza a angústia de quem quer ajudar e de quem necessita ajuda.
A cura é conquista própria! Aos curadores cabe confiar que foram preparados para estimular harmonização e autocura. O sentimento de obrigatoriedade de curar impede que se perceba o caminho da verdadeira cura.
O Curador que busca estar de acordo com sua Alma, com seu Espírito, contacta mais facilmente a Alma, o Espírito, daquele que busca a cura... ambos se desenvolvem!
Chang Ling, por Nereida Fontes Vilela
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